Saúde mental após Covid: estudo indica aumento de depressão, ansiedade e estresse pós-traumático

Equilíbrio Saúde
08 de Fevereiro, 2022
Saúde mental após Covid: estudo indica aumento de depressão, ansiedade e estresse pós-traumático

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) observaram uma alta prevalência de déficits cognitivos e transtornos psiquiátricos que indicam como anda a saúde mental após Covid. A equipe chegou a essa conclusão após realizar um estudo com 425 pacientes que se recuperaram das formas moderada e grave da COVID-19. As avaliações foram conduzidas no Hospital das Clínicas (SP) com pacientes que tiveram alta hospitalar após seis e nove meses.

Pesquisa mostra resultados sobre a saúde mental após Covid

Como resultado, mais da metade (51,1%) dos participantes relatou ter percebido declínio da memória após a infecção. Além disso, outros 13,6% desenvolveram transtorno de estresse pós-traumático. O transtorno de ansiedade generalizada, por exemplo, foi diagnosticado em 15,5% dos voluntários, sendo que em 8,14% deles o problema surgiu após a doença. O diagnóstico de depressão, por sua vez, foi estabelecido para 8% dos pacientes, sendo 2,5% deles somente após a internação.

Dessa forma, os resultados completos da pesquisa, que contou com apoio da FAPESP, foram divulgados na revista General Hospital Psychiatry.

“Um dos principais achados é que nenhuma das alterações cognitivas ou psiquiátricas observadas nesses pacientes se correlaciona com a gravidade do quadro. Também não vimos associação com a conduta clínica adotada no período de hospitalização ou com fatores socioeconômicos, como perda de familiares ou prejuízos financeiros durante a pandemia de COVID-19”, conta Rodolfo Damiano, médico residente do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina (FM-USP) e primeiro autor do artigo.

O estudo integra um projeto mais amplo, coordenado pelo professor da FM-USP Geraldo Busatto Filho. Os pesquisadores acompanharam um grande grupo de pessoas atendidas no Hospital das Clínicas entre 2020 e 2021. Para isso, contaram com o apoio de profissionais de diversas áreas, como otorrinolaringologia, fisiatria e neurologia, a fim de avaliar eventuais sequelas deixadas pelo SARS-CoV-2.

“Uma de nossas preocupações era entender se esse vírus e a doença por ele causada têm impacto no longo prazo, produzindo manifestações tardias no sistema nervoso central”, conta Eurípedes Constantino Miguel Filho, professor da FM-USP e orientador do estudo.

Origem dos transtornos

Para o pesquisador, o fato de não ter sido encontrada uma correlação clara entre a condição psiquiátrica e a magnitude da doença na fase aguda ou fatores psicossociais – incluindo os de natureza socioeconômica ou vivências traumáticas – corrobora a hipótese de que alterações tardias relacionadas à infecção pelo SARS-CoV-2 (como processos inflamatórios associados a alterações imunológicas, danos vasculares associados a coagulopatias ou a própria presença do vírus no cérebro) teriam papel na origem dos transtornos.

“A presença de manifestações clínicas, como perdas cognitivas, cefaleias, anosmia [perda do olfato] e outras alterações neurológicas nesses pacientes contribuem com evidências adicionais de que essas alterações psiquiátricas possam refletir a ação do SARS-CoV-2 no sistema central.”

Metodologia de estudo sobre saúde mental após Covid

Primeiramente, todos os participantes foram submetidos a uma bateria de testes cognitivos para avaliação de habilidades como memória, atenção, fluência verbal e orientação espaço-temporal.

“Observamos bastante perda cognitiva. Em um teste que mede a velocidade de processamento, por exemplo, os pacientes demoravam em média duas vezes mais do que o esperado para a idade [com base em valores médios descritos na literatura científica para a população brasileira]. E isso foi observado para todas as idades”, conta Damiano. “Além disso, mais da metade relatou, de forma subjetiva, um declínio na memória.”

Os voluntários passaram ainda por uma entrevista estruturada com um psiquiatra e responderam a questionários padronizados usados no diagnóstico de depressão, ansiedade e estresse pós-traumático.

De acordo com os autores no artigo, a prevalência de “transtorno mental comum” (sintomas depressivos, estados de ansiedade, irritabilidade, fadiga, insônia, dificuldade de memória e concentração) no grupo estudado (32,2%) foi maior do que a relatada para a população geral brasileira (26,8%) em estudos epidemiológicos.

Nesses pacientes, a prevalência de transtorno de ansiedade generalizada (14,1%) foi consideravelmente maior do que a média dos brasileiros (9,9%). A prevalência de depressão encontrada (8%) também é superior à estimada para a população geral do país (entre 4% e 5%).

“Os pacientes que evoluem para a forma grave, em geral, são mais comprometidos clinicamente [por problemas cardíacos, renais, diabetes e outras comorbidades] e, consequentemente, já apresentam mais sintomas psiquiátricos. Isso foi considerado na análise. Mesmo corrigindo para esse fator, a prevalência observada no estudo foi muito alta”, afirma Damiano.

O agravamento de sintomas psiquiátricos após infecções agudas é algo comum e esperado, comenta o pesquisador. “Mas com nenhuma outra doença viral se observou tanta diferença e perdas cognitivas tão significativas como com a COVID-19. Uma das possíveis explicações é o próprio efeito do vírus no sistema nervoso central”, comenta. “Se essas perdas são recuperáveis é algo que ainda não sabemos.”

Próximos passos da pesquisa

Atualmente, o grupo da USP estuda amostras de sangue coletadas dos voluntários durante o período de internação. O objetivo é avaliar o perfil de citocinas (proteínas do sistema imune que regulam a resposta inflamatória) para descobrir se há correlação entre o grau de inflamação durante a fase aguda da COVID-19 e o desenvolvimento de sintomas neuropsiquiátricos.

“Caso exista alguma correlação, o passo seguinte será investigar se drogas inibidoras de interleucinas [um dos tipos de citocina] podem ser usadas para prevenir o aparecimento ou o agravamento de sintomas psiquiátricos”, conta.

Por fim, para quem já foi afetado, Damiano indica vacinação e acompanhamento psiquiátrico. “Há evidências de que exercícios físicos ajudam a reverter alterações cognitivas associadas a doenças graves, bem como treinos de reabilitação cognitiva que podem ser feitos com acompanhamento de um neuropsicólogo habilitado. Além disso, acredito que a prática de meditação pode ser benéfica.”

Fonte: Agência FAPESP.

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