Mulheres e alcoolismo: pesquisa revela enfrentamento diferente da doença

Saúde
10 de Maio, 2022
Mulheres e alcoolismo: pesquisa revela  enfrentamento diferente da doença

Um estudo qualitativo feito por pesquisadores da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP) sugere que a identidade de gênero influencia como o dependente alcoólico lida com sua condição. Os resultados foram divulgados na revista Drug and Alcohol Review. Edemilson de Campos, professor que coordenou a pesquisa que relaciona mulheres e alcoolismo, conta que foi autorizado a acompanhar as reuniões femininas de um grupo dos Alcoólicos Anônimos (AA) em São Paulo.

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Falta de grupos só para mulheres intimida participantes

“Grupos do AA só de mulheres são frequentes nos Estados Unidos. Mas no Brasil, não. Os AA desencorajam esse formato, alegando que o alcoolismo é um só e afeta igualmente homens e mulheres. Contudo, as mulheres que entrevistei pensam diferente e me disseram que se sentiam intimidadas nas reuniões mistas. Algumas relataram que haviam sido vítimas de assédio e piadas sexistas durante os encontros”, diz Campos.

Segundo o pesquisador, existem 120 grupos de Alcoólicos Anônimos na cidade de São Paulo. No entanto, só dois realizam reuniões estritamente femininas: um na zona norte e outro no bairro de Santa Cecília. “A princípio, pedi permissão para frequentar as reuniões femininas dos dois grupos, mas só as participantes da zona norte concordaram”, afirma.

Campos conta que a reunião possuía 15 mulheres, que se encontravam todo sábado. Umas eram frequentadoras recentes, com dois meses de AA; outras com mais de 30 anos de participação. De modo geral, eram mulheres com padrão econômico e nível de escolaridade mais baixo, algumas casadas com participantes dos Alcoólicos Anônimos.

Mulheres e alcoolismo: participantes expõem a mais a sua intimidade quando não há homens no grupo

É importante esclarecer que os Alcoólicos Anônimos consideram o alcoolismo uma “doença crônica e incurável”. Além disso, acreditam que não há força de vontade capaz de vencer a doença. A rede de apoio formada pelo grupo é um suporte indispensável para conviver com ela.

“Já havíamos estudado grupos com reuniões mistas. O que fizemos agora foi uma pesquisa etnográfica. Então recolhemos relatos individuais sobre relacionamento, família, trabalho e outros assuntos de interesse das participantes. A expressão ‘dor da alma’ foi a forma como essas próprias mulheres caracterizaram sua condição, marcada por um forte sentimento de rejeição e solidão devido ao estigma social”, diz Campos.

Algo constatado pelo pesquisador foi que, enquanto nas reuniões mistas os homens falavam de trabalho e de outras questões gerais da vida, as participantes da reunião só para mulheres falavam muito mais de sua intimidade. “Por isso, reuniões só de mulheres são muito importantes. Por oferecerem um espaço seguro de expressão. Essas reuniões tinham o poder de devolver às participantes um sentimento de dignidade”, argumenta.

De maneira geral, o pensamento socialmente condicionado é bastante aceitável com o pai que não cumpre suas obrigações paternas. Mas é implacável com a mãe que age da mesma forma. “O sentimento de que o alcoolismo possa tê-las impedido de cumprir aquilo que a sociedade esperava delas era algo que pesava demais para essas mulheres”, conta Campos.

Critérios para o estudo

De acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM, na sigla em inglês), da Associação Americana de Psiquiatria, é dependente de substâncias quem preencher três ou mais dos seis seguintes critérios:

  • Gastou grande parte do seu tempo para conseguir, usar ou se recuperar do efeito da substância.
  • Usou a substância com maior frequência ou em maior quantidade do que esperava.
  • Precisou de quantidades maiores para obter o mesmo efeito.
  • Não conseguiu diminuir ou parar de usar a substância.
  • Continuou a usar a substância mesmo após saber que ela estava causando ou piorando problemas de saúde físicos ou mentais.
  • Deixou de fazer ou diminuiu o tempo das atividades sociais, de trabalho ou de lazer.

No caso do álcool e de outras drogas (como tranquilizantes benzodiazepínicos, cocaína, crack etc), além dos seis critérios foi incluído um sétimo, definido pela manifestação de sintomas de abstinência, que variam de acordo com a substância.

Tais critérios são iguais para homens e mulheres. No entanto, o que Campos verificou foi que, além dessa classificação geral, a vivência do alcoolismo e de seu tratamento é muito influenciada pelo marcador social de gênero. “Ao contrário da ideia prevalente nos AA, constatamos que as mulheres precisam, sim, ter um espaço seguro para expor sua ‘dor da alma”, reforça.

Fonte: Agência FAPESP.

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