“O excesso de urbanização contribuiu para que engordássemos e ficássemos mais ansiosos e doentes”, afirma Paulo Saldiva, médico patologista, pesquisador e professor do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Em entrevista à Agência Einstein, o especialista relembra os números de vidas perdidas por problemas direta ou indiretamente causados pela ação humana no ambiente. Assim, cerca de 5 milhões de pessoas morrem a cada ano por conta das mudanças climáticas, e 10 milhões por causa da poluição. “São muitas mortes. A mensagem é que se começarmos a mudar a nossa forma de nos relacionarmos com a natureza, os benefícios para a saúde serão agora. Não vamos precisar esperar meses ou anos”, diz. Leia abaixo os principais trechos da conversa:
A exposição à natureza está relacionada com a redução da pressão arterial e dos níveis de cortisol e adrenalina. Além disso, com a variabilidade da frequência cardíaca. Há uma série de estudos científicos que mostram isso. Inclusive, alguns demosntram que, em hospitais mais verdes, os índices de complicação no pós-tratamento são menores e a recuperação dos pacientes é mais eficiente. Assim como ocorre nos hospitais, o contato ou só a visão da natureza nos acalma. Dessa maneira, dormimos melhor porque o ruído urbano cai e a poluição luminosa diminui.
A questão da iluminação é importante pois, para dormirmos bem, precisamos que nosso organismo comece a produzir melatonina de uma hora e meia a duas horas antes de irmos para a cama. E o sono é importante para regular o funcionamento de todo o nosso organismo.
O homem abandonou a natureza para viver entre tijolos. Isto é, esse excesso de urbanização contribuiu para que nós ganhássemos peso e ficássemos mais ansiosos e mais doentes.
No geral, somos mais sedentários: andamos de carro, usamos escada rolante ou elevador, não praticamos atividade física, comemos errado. Com a civilização e a busca por soluções que facilitem a vida dos homens, vem o adoecimento porque uma pessoa está mais perto da outra e a transmissão de doenças fica mais fácil.
Sendo assim, começam também os problemas sanitários. As epidemias e pandemias, como a da Covid-19, surgem com as cidades. Na época do homem caçador-coletor, elas não existiam, pois muitas doenças surgiram do contato do homem com os animais. Além disso, temos as mudanças climáticas como resultado da ação humana e da poluição (que são causas de adoecimento e morte) e o estresse provocado pela rotina frenética.
O excesso de urbanização e a ausência de verde nas cidades geram ainda ilhas de calor urbano. Essas variações de calor induzidas pelo homem são responsáveis por cerca de 5 milhões de mortes precoces por ano em todo o mundo e por doenças como infarto do miocárdio, AVC (Acidente Vascular Cerebral) e pneumonia (em crianças e idosos). Ou seja, as pessoas não morrem por causa do calor ou do frio, mas por doenças associadas a este fenômeno. Nosso sistema de termorregulação não consegue acompanhar a velocidade das mudanças climáticas.
Sim. As cidades têm características geográficas diferentes entre si e também em termos de estrutura e dinheiro para investir em questões de habitação. Por exemplo, em Toronto (Canadá) e em Estocolmo (Suécia), a variação de temperatura ao longo do ano é de cerca de 30 graus, mas o efeito da temperatura na saúde das pessoas é muito baixo. Isso porque as casas, o transporte público e os prédios foram adaptados para oferecer conforto térmico à população. Já São Paulo, por outro lado, é uma cidade desigual. Uma coisa é ter 35 graus de temperatura em um apartamento na Vila Nova Conceição e outra é ter o mesmo calor em uma casa com laje em Itaquera, região onde não há cobertura verde. Então, esses desertos que construímos dentro da cidade promovem grande amplitude térmica, que nos adoece.
Acho que ganhou força quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) apresentou os guidelines (diretrizes) de qualidade do ar global. Inclusive, vai sair uma atualização em 2022 e eu sou um dos revisores. Dessa forma, o segundo aspecto foi em 2013, quando a Agência Internacional de Pesquisas sobre o Câncer (IARC) classificou a poluição do ar como cancerígena, colocando a poluição na mesma categoria do tabaco e do amianto. Isso quer dizer que ficou evidenciado que a poluição é tão capaz de causar câncer quanto o cigarro.
Leia também: Como a poluição afeta a saúde do cabelo
Acho que este é um problema educacional. Com a urbanização, as pessoas não prestam atenção no verde, na natureza, simplesmente porque não foram educadas para isso. Portanto, eu recuperaria o verde das escolas para que as crianças aprendessem a conviver e a valorizar a natureza. Com isso, ensinaríamos para eles o contrário do que aprendemos, que foi querer ter um carro.
No currículo escolar, os temas meio ambiente e sustentabilidade poderiam entrar como uma matéria horizontal nos ensinos fundamental e médio, estimulando a participação ativa da juventude e promovendo o aprendizado, a socialização e a colaboração. Esses temas também poderiam ser trabalhados em diversas disciplinas, como geografia, biologia e história.
Hoje estamos perdendo dinheiro com admissões hospitalares que poderiam ser evitadas e com a perda de capacidade produtiva motivada pela morte prematura de pessoas. O custo evitado em saúde decorrente da diminuição da poluição local supera o dobro do valor necessário para mitigar os gases de efeito estufa.
A saúde foi a última a embarcar no trem da sustentabilidade. Mas quando a gente pega dados que mostram que 5 milhões de pessoas no mundo morrem precocemente por causa da mudança climática e 10 milhões de mortes ocorrem todos os anos por doenças relacionadas à poluição de ar, sustentabilidade se torna um problema de saúde.
A mensagem maior é tornar a sociedade protetora do ser humano. O envolvimento da área da saúde na questão ambiental traz para o hoje os benefícios dessas mudanças que precisamos. É algo como: se você começar a caminhar mais a pé ou de bicicleta pela cidade, você vai reduzir a emissão de poluentes. Mas também vai melhorar a função cardiovascular, reduzir o risco de osteoporose e trabalhar a saúde mental.
É mostrar que uma política de parques não deixa a cidade só mais bonita: ela reduz as ilhas de calor, as árvores funcionam como absorvedoras de poluição e o risco de morte por infarto cai na medida em que as pessoas conseguem utilizar os parques. Sabendo dos benefícios do contato com a natureza e da preservação do meio ambiente para a saúde, a gente torna mais palpável toda essa discussão e pode reconduzir a cidade a um caminho virtuoso.
(Fonte: Agência Einstein)