Doenças “invisíveis”: As dificuldades de pessoas com condições que ninguém vê
Atividades ao ar livre em dias quentes costumam ser um tormento para a publicitária gaúcha Bruna Rocha, de 35 anos. Isso porque caminhadas mais longas e ficar em pé por muito tempo quase sempre resultam em fadiga extrema e dores que cortam o corpo. Aos 14 anos, ela foi diagnosticada com esclerose múltipla, condição neurológica crônica, autoimune e progressiva que afeta a vida de cerca de 40 mil brasileiros, segundo estimativas da Associação Brasileira de Esclerose Múltipla. Ela faz parte do grupo das doenças invisíveis, que é cercado de preconceitos.
“As pessoas realmente não acreditam que eu posso ter a doença e não apresentar sinais físicos que me façam ter perda funcional”, diz Bruna, que já apanhou de uma idosa no ônibus por estar sentada no assento reservado. “Ela me deu uma bolsada, mesmo eu apresentando uma carteirinha que identifica a doença”, relata.
O documento é fornecido pela associação Amigos Múltiplos pela Esclerose (AME), criada pela própria Bruna em 2012, depois de algumas tentativas frustradas de trabalhar como publicitária. “O mercado não respeita as pessoas com tempos diferentes. Tentei trabalhar em um jornal, mas percebi que a rotina não permitia que eu cuidasse da minha saúde. Eu preciso de tempo para descansar e o mercado formal não oferece essa possibilidade para quem tem uma doença crônica”.
De acordo com uma pesquisa do Centro de Inovação SESI Higiene Ocupacional com o apoio da Roche Farma Brasil, cerca de 40% das pessoas com esclerose múltipla estão fora do mercado formal. O levantamento usou dados de 2014 a 2018 e destaca que, no período, 7,3 mil benefícios foram concedidos para pacientes diagnosticados no país — pouco mais de 1,8 mil por invalidez. Além disso, a média anual de afastamento do trabalho por consequência da esclerose múltipla é de 128 dias.
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Doenças invisíveis: Cansaço “sem causa”
Na infância, o advogado e professor Henderson Fürst, de 33 anos, tinha quedas constantes e sem motivo aparente. Depois de anos passando por especialistas das mais diversas áreas médicas, foi diagnosticado com Poliomielite Desmielinizante Crônica, uma doença neurológica crônica rara que atinge o sistema nervoso e causa fraqueza muscular progressiva, alterações na sensibilidade, além de dormências, formigamentos. “Não existia perspectiva de cura, apenas tratamento para retardar seu avanço”, lembra. Com o passar dos anos, ele foi perdendo os movimentos e até respirar ficou mais difícil.
Em 2015, depois de um ano em busca de explicação para um cansaço extremo e constante, foi diagnosticado com outra doença rara: encefalomielite miálgica, também conhecida como síndrome da fadiga crônica. “Esta doença atrapalha a produção de energia. É como se eu fosse um aparelho celular com a bateria arriada, que descarrega muito rápido. Eu tenho que programar todas as atividades que faço e sempre contar um tempo maior que as outras pessoas para descanso entre elas. Se eu exagero, por exemplo, no dia seguinte meu corpo cobra o preço”.
Henderson diz que receber os diagnósticos foi um alívio. “Eu ouvi pessoas dizerem que era coisa da minha cabeça ou depressão. Algumas, aliás, se afastaram achando que eu estava perdendo a percepção da realidade, por estar com dores que não eram diagnosticadas. Com o tempo, comecei a duvidar de mim mesmo. Ter um nome para o que sentia foi muito bom, mesmo sabendo que não tem cura”, afirma.
Doenças invisíveis: Dores incapacitantes
Para a representante comercial e líder espiritual Giselle Ferraz, de 42 anos, visitar clientes e vender produtos durante os dias de crise de fibromialgia é quase impossível. Isso porque as dores musculares intensas impedem com que ela caminhe, use salto alto – como é praxe no setor em que trabalha –, dirija até os clientes e mantenha uma conversa sem demonstrar incômodo.
“Alguns dias, nem com medicação eu consigo sair da cama, mas as pessoas não entendem e acham que é frescura ou mentira”, diz. Giselle foi diagnosticada com a doença em 2006 e, desde então, faz acompanhamento médico. “É uma dor insuportável. Por isso, eu tento organizar minha rotina para ser mais produtiva nos períodos que estou bem para compensar quando a dor ataca, que é mais comum no inverno”, relata.
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Doenças invisíveis
Tanto a esclerose múltipla quanto a síndrome da fadiga crônica e a fibromialgia compõem um grupo de doenças que, sem sintomas visíveis aos outros, gera questionamentos sobre o quanto, de fato, impacta a vida de quem é diagnosticado. Como explica Denis Bernardi Bichuetti, neurologista, são condições que podem causar prejuízos importantes.
“Deficiência é a consequência de algo. Desse modo, ela pode estar associada às doenças raras, que demoram para serem diagnosticadas, ou a outros motivos”, explica. O especialista cita a fraqueza nas pernas de alguém com esclerose múltipla que só manifesta o sintoma quando anda demais ou de quem tem a visão comprometida, mas não usa óculos escuros ou bengala na rua.
“São muitos os dramas que estas pessoas vivem diariamente. A gente pode não perceber, mas a execução de uma tarefa simples como lavar louça, ir ao mercado ou até viajar a lazer demandam esforços que precisam ser respeitados”, afirma o neurologista.
O combate à invisibilidade das doenças e deficiências, de acordo com Bichuetti, começa na educação da população e na formação dos médicos. Na opinião do médico, a quebra do preconceito social só vai acontecer com informação de que há doenças que não são sentenças de morte, que ter limitações não a torna uma pessoa incapaz.
Sinalizadores e educação
Até quando não está com dificuldades de locomoção, Bruna sai às ruas acompanhada de uma bengala para sinalizar aos outros que tem uma deficiência. Henderson carrega no celular o relatório médico com o diagnóstico da doença e as consequências dela. “Uma vez, entrei na fila prioritária e tive que apresentar para o gerente do banco para mostrar que não era um folgado”, revela. Giselle não hesita em informar sobre a condição física. “É uma realidade minha e que também precisa estar no radar das pessoas que convivem comigo para que sejam estabelecidos limites”.
“É preciso falar sobre este assunto. As pessoas não respeitam as outras, mas respeitam os sinalizadores para a deficiência. Uma pessoa pode estar com uma bolsa de colostomia, ter feito um transplante, ter uma prótese. Nada disso é visível e por isso é preciso empatia”, alerta a fundadora da AME.
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(Fonte: Agência Einstein)