Estudo descreve padrões de dano no pulmão de vítimas da COVID

Saúde
27 de Setembro, 2021
Estudo descreve padrões de dano no pulmão de vítimas da COVID

A COVID-19 pode alterar o funcionamento de diferentes órgãos e por isso tem sido considerada uma doença sistêmica. E, mesmo quando se avalia apenas a pequena parcela de infectados que desenvolve insuficiência respiratória, é possível perceber que o SARS-CoV-2 causa dano no pulmão de formas variadas.

Em estudo divulgado na plataforma medRxiv, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e colaboradores analisaram amostras pulmonares de 47 pessoas que morreram em decorrência de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) causada pelo novo coronavírus e identificaram dois padrões bem distintos de dano.

Cinco pacientes (10,6%) apresentaram o que os autores chamaram de “fenótipo fibrótico”, caracterizado pelo espessamento do septo alveolar – estrutura onde ocorrem as trocas gasosas. Ou seja, nesses indivíduos o tecido normal do pulmão lesionado pelo vírus foi substituído por tecido cicatricial (fibrose), o que dificultou a respiração. Em outros dez pacientes (21,2%), classificados como “fenótipo trombótico”, o tecido pulmonar estava praticamente normal. Porém, foi possível notar sinais de coágulos (trombos) em pequenos vasos. Há ainda um terceiro grupo no qual foram incluídos 32 pacientes (68,1%) que apresentaram os dois fenótipos simultaneamente.

A idade média dos pacientes incluídos no estudo foi de 67,8 anos, com proporção semelhante entre homens e mulheres. Todos eram portadores de doenças preexistentes, sendo as mais comuns hipertensão (55%) e obesidade (36%). No momento da admissão hospitalar, 66% apresentavam falta de ar. As complicações clínicas durante a internação incluem choque séptico (62%), falência renal aguda (51%) e síndrome do desconforto respiratório agudo (45%).

Padrão respiratório: Dano no pulmão x COVID

As amostras pulmonares foram obtidas por meio de autópsia minimamente invasiva e, depois, fixadas em formol e parafina. Os blocos foram então cortados em lâminas com espessura de 3 micrômetros (µm, o equivalente a um milionésimo de metro). Que foram coradas e analisadas por microscopia e imuno-histoquímica (técnica que envolve o uso de anticorpos contra proteínas-alvo, por exemplo, o colágeno). O RNA do SARS-CoV-2 foi identificado em todas as amostras por meio de RT-PCR.

“Partimos de uma avaliação da morfologia do dano no pulmão para, na sequência, estudar o histórico clínico e os exames radiológicos desses pacientes. E foi possível notar, após a análise estatística, que os dados se correlacionavam”, conta à Agência FAPESP o patologista Alexandre Fabro, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e coordenador da pesquisa. O trabalho teve apoio da FAPESP por meio de três projetos (19/01517-3, 19/19591-5 e 20/13370-4).

No artigo, os autores relatam que, nos dias que antecederam o óbito, os pacientes com o fenótipo fibrótico sofreram um declínio progressivo no índice de oxigenação. Ou seja, medido pela relação entre pressão parcial de oxigênio arterial com a fração inspirada de oxigênio (PaO2/FiO2). Além disso, perda da complacência pulmonar (capacidade do órgão de expandir e retrair durante a respiração) e aumento na produção de colágeno (um dos principais componentes do tecido fibrótico) no órgão.

Já nos pacientes do grupo trombótico foi relatada uma melhora nos padrões respiratórios nos dias anteriores à morte. Bem como alto nível de complacência pulmonar durante todo o período de hospitalização. “Em alguns casos, o médico relatou que chegaram perto de ter alta e, logo em seguida, faleceram”, conta Fabro.

Por que é importante?

Por outro lado, os doentes desse segundo grupo apresentavam elevação no nível de plaquetas (células sanguíneas envolvidas na formação de coágulos) e na formação de trombos. Além disso, observou-se que, no momento da admissão hospitalar, eles tinham níveis mais alto de dímero-D – proteína considerada um marcador de trombose – do que a média dos pacientes analisados.

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“Esses achados reforçam que, apesar de a infecção ser a mesma, a resposta ao vírus varia bastante, mesmo entre os casos graves. E isso pode ter implicação clínica. Esses achados sugerem que os pacientes de cada grupo necessitam de tratamentos diferenciados. No artigo, mostramos que a evolução dos parâmetros respiratórios [PaO2/FiO2] e o nível de dímero-D na admissão, por exemplo, podem ajudar os médicos a diferenciar esses fenótipos”, diz Fabro.

Segundo o pesquisador, o estudo retrata como começa o processo de fibrose pulmonar que tem deixado sequelas em muitos sobreviventes da COVID-19. “A questão científica atual é como tratar e como impedir que esse processo evolua e se torne permanente. Existem algumas medicações antifibróticas, mas ainda não foram testadas no contexto pós-COVID”, afirma.

Fonte: Agência FAPESP

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